Martin Cooper, ex-empregado da Motorola, desenvolveu o primeiro telefone portátil (celular) da história em 1984. O Motorola DynaTAC era grande, pesado e custava cerca de US$ 4 mil. Quarenta anos depois, o celular tornou-se um item indispensável, capaz de conectar pessoas a distâncias continentais, armazenar milhões de dados e disponibilizá-los em tempo real, para qualquer pessoa em qualquer parte do planeta. É quase impensável imaginar que um aparelho tão inovador também seja causador de diversos problemas educacionais e sociais.
Segundo a ONU News, 78% da população mundial com mais de 10 anos possui um celular, o que demonstra a ampla disseminação dessa tecnologia. Hoje, o aparelho contém praticamente toda a vida de uma pessoa. Em um único dispositivo é possível ter documentos, carteira de investimentos, contas bancárias, jogos, comunicação instantânea, redes sociais e muito mais. Todo esse conjunto de possibilidades atrai não apenas jovens, adultos e idosos, mas também crianças e adolescentes.
O uso excessivo do celular por crianças e adolescentes tem minado sua capacidade intelectual e sociabilidade, além de gerar diversos outros problemas psicosociais. Um estudo com 2.441 mães e filhos em Calgary, Alberta, Canadá, publicado na JAMA Pediatrics em 2019, apontou que níveis elevados de tempo de tela em crianças de 24 e 36 meses foram significativamente associados a um desempenho mais baixo em testes de triagem de desenvolvimento aos 36 e 60 meses, respectivamente. O aumento do tempo de tela prejudica áreas como comunicação, coordenação motora, manipulação de objetos pequenos, pensamento lógico, interação social e regulação emocional.
Outro estudo brasileiro, realizado com 982 adolescentes entre 12 e 15 anos em escolas públicas de Jacarezinho (PR), encontrou uma associação entre o tempo de tela e sintomas de depressão, ansiedade e estresse. Adolescentes que passavam mais de quatro horas por dia diante de telas apresentaram sintomas mais acentuados desses transtornos em comparação com aqueles que passavam menos de duas horas diárias. Embora o estudo não tenha estabelecido relação causal, os resultados indicam que o tempo excessivo de tela pode ser um importante fator de risco para problemas de saúde mental em adolescentes.
Esses são apenas dois exemplos de pesquisas que evidenciam os prejuízos do uso excessivo de telas, especialmente celulares, por crianças e adolescentes. Diversos outros estudos corroboram a mesma conclusão: o uso descontrolado de celulares prejudica o desenvolvimento infantojuvenil em todo o mundo. Por isso, muitos países têm adotado políticas preventivas para reduzir o tempo diário gasto com dispositivos eletrônicos por esse público.
Segundo uma matéria da Cadena SER, publicada em dezembro de 2024, especialistas do governo espanhol sugeriram restrições significativas ao uso de dispositivos digitais, com as seguintes recomendações:
Desaconselhar o uso de dispositivos digitais para crianças menores de seis anos;
Priorizar atividades físicas e o uso de telefones analógicos para crianças entre seis e 12 anos, restringindo o acesso a redes sociais;
Sugerir o uso de telefones sem acesso à internet e limitar as chamadas para adolescentes entre 12 e 16 anos;
Incluir etiquetas nos dispositivos alertando sobre os riscos do uso excessivo.
Essas orientações fazem parte de um anteprojeto de lei para proteger menores em ambientes digitais.
Além de ser um problema de saúde pública, os celulares têm causado sérios problemas educacionais. Soma-se aos impactos mencionados a total falta de foco e atenção nas salas de aula. Países como França, Espanha, Grécia, Dinamarca e Estados Unidos já baniram total ou parcialmente o uso de celulares nas escolas.
O Relatório de Monitoramento Global da Educação de 2023 apontou que, em 14 países, a proximidade de um celular foi suficiente para distrair os alunos e impactar negativamente o aprendizado. O documento também alerta que o uso inadequado ou excessivo de tecnologia nas salas de aula pode ser prejudicial.
No Brasil, o Projeto de Lei (PL) nº 104/2015, do deputado Alceu Moreira, propunha proibir o uso de aparelhos eletrônicos portáteis nas salas de aula dos ensinos básico, exceto quando inseridos em atividades pedagógicas autorizadas por professores ou gestores. Após ampla discussão, o projeto resultou na aprovação da Lei nº 15.100, de 13 de janeiro de 2025, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa legislação fornece um marco regulatório para estados e municípios criarem normas conforme suas realidades educacionais.
Apesar de todos os problemas, é inegável que a tecnologia presente nos dispositivos eletrônicos tem extrema importância, especialmente durante a pandemia de COVID-19, quando possibilitou a continuidade do ensino remoto. Entretanto, o grande desafio está em como e onde a tecnologia é utilizada. Embora a sala de aula seja um ambiente ideal para o uso responsável desses recursos, o que se observa na prática é que os dispositivos têm servido mais como fonte de distração.
O celular, como qualquer ferramenta, não é inerentemente bom ou ruim. Seu impacto depende do uso. Nas escolas, ele tem o potencial de enriquecer o aprendizado, mas requer planejamento e conscientização. Os estudos mostram que, enquanto não estivermos preparados para adotar essa tecnologia de maneira responsável, a proibição do seu uso no ambiente escolar será uma medida necessária e urgente.